- Então?
- Para lá.
- Como você é linda. Fico até sem jeito, como um adolescente. (...) Não acredita que transmite um respeito verdadeiro, profundo? Claudia, por quem está apaixonada? Com quem está? De quem você gosta?
- De você.
- Você chegou bem a tempo...Por que sorri assim? Não se sabe se está julgando ou absolvendo, se está me gozando...
- Estou escutando. Você ia me falar sobre o filme. Eu não sei de nada.
- (suspiro) Você seria capaz de recomeçar sua vida do zero? Escolher só uma coisa e ser fiel a ela, fazer dela a razão de sua existência? Uma coisa que se torne tudo, pois a sua fé a torna assim? Você seria capaz? Por exemplo, se eu dissesse...Claudia...
- Para que lado eu vou? Não conheço o caminho. E você, seria capaz?
- Devemos estar perto da nascente, está ouvindo? Vire aqui. (...) Não, este tipo não é capaz. Ele quer ficar com tudo. Não sabe renunciar a nada; Muda todo dia de caminho por medo de escolher. E está morrendo à míngua.
- E o filme termina assim?
- Não, começa assim. Depois ele encontra a garota da fonte, uma das que servem água. Ela é linda. Jovem e antiga, menina e já mulher, autêntica, solar. Não há dúvida, ela é a sua salvação. Você estará de branco, com esses mesmos cabelos longos. Apague os faróis.
(-----)
- E depois?... Vamos embora daqui. Este lugar me impressiona. Não me parece real.
- Pois eu gosto muito dele, veja só.
- Não entendi quase nada dessa sua história. Um tipo como o que você descreveu, que não ama ninguém, não causa muita pena, sabia? No fundo, a culpa é dele. O que ele espera dos outros?
- Acha que não sei disso? Você também me aborrece.
- Ah, você não agüenta críticas, não é? Está engraçado com esse chapéu e a expressão de velho...Não entendo. Ele acha a garota que pode devolver-lhe a vida e a rejeita?
- Porque não acredita mais.
- Porque não sabe amar.
- Porque não é verdade que uma mulher possa mudar um homem..
- Porque não sabe amar.
- E sobretudo porque não quero outra história mentirosa.
- Porque não sabe amar.
- Lamento ter feito você vir até aqui, Claudia. Peço desculpas.
- Que canalha você é. Então esse papel não existe?
- Você tem razão. O papel não existe. Nem o filme existe. Não existe nada em parte alguma. Para mim, o caso poderia se encerrar aqui.
Marcello Mastroianni e Claudia Cardinale - Fellini 8 e 1/2
Eu não sei vocês, amiguinhos, mas se eu conseguisse fazer isso, contar a história de uma vida em um diálogo de uma página, com tantas sutilezas, entrelinhas e camadas, eu teria menos angústias na vida. E pensar que o filho da puta escreveu este filme após uma "crise de inspiração". Na boa, Fellini, fica aqui o meu mais sincero VAI SE FODER.
(termino com a Claudia, pra amenizar)