sábado, 14 de março de 2009

Das sugestões serenas, isentas e fiéis

"All I want is a room with a view. A sight worth seeing. (...)
A small remembrance of something more solid"
Blondie - Picture This


Edgar acorda de um cochilo e se lembra que é sábado. Olha pro relógio no criado mudo, e vê que são quase oito e meia da noite. Tem sono ainda, seu corpo ainda está impregnado de torpor, olha em volta do quarto escuro, e se deita de barriga pra cima, descobrindo-se atirando a colcha no chão. Quer se levantar, não quer perder tempo, mas não tem o que fazer. Presta atenção pra ver se tem alguma necessidade. Não. Nem fome, nem vontade de ir ao banheiro, nem vontade de sair, nem vontade de fazer qualquer coisa especificamente. Mas é sábado e não quer mais ficar dormindo em seu único dia realmente livre. Consulta sua mente pra ver se tem algo que precisa ser feito, e não pensa em nada urgente ou possível a esta hora. Reúne forças e se senta na cama, virando de lado e colocando os pés no chão. Esfrega as mãos no rosto e se levanta. Abre a janela, não gosta do cheiro viciado de gente dormida. O céu já está escuro, está quente e não chove. Tampouco venta. Caminha até a porta, tropeçando nas coisas no chão, que não se lembra o que são. Sai do quarto, a casa está toda escura. Vai até o banheiro, acende a luz, que lhe fere os olhos, abaixa a cabeça por alguns instantes, para que seus olhos se acostumem. Se olha no espelho, arregala os olhos, franze a testa, arqueia as sobrancelhas, abre a boca o máximo que pode, quer acordar seus músculos, passa as mãos pelos lados da cabeça, deixando seus cabelos ainda mais bagunçados. Lava o rosto e assua o nariz na pia, se olha no espelho uma outra vez e pensa que precisa fazer a barba, mas deixa pro domingo. Se enxuga e urina tentando manter o jato no centro do vaso, sem pingar fora.

Caminha pela casa, vai até a cozinha, para e pensa no que quer ou deve fazer. Bebe água. Pega um copo, enche até a metade de café morno, feito pela manhã, esquece de colocar açúcar, dá o primeiro gole, faz uma careta e vira tudo de uma vez. Deixa o copo na pia e volta para o quarto. Deita na cama, liga a TV e acende um cigarro. Vaga pelos canais sem nada que lhe interesse. Desliga a TV e pega o notebook. Ainda não sabe o que quer fazer. Volta pra cozinha, abre a geladeira, pega a garrafa de sakê e enche meio copo. Volta pra cama, põe o notebook no colo. Percebe que não está com disposição para nada. Quer criar algo inovador e definitivo, mas não sabe de onde tirar forças para tanto, e, no entanto, ainda evita duvidar. Fica parado, com as mãos inertes sobre o teclado, a tela do Word em branco, o prompt pulsando, exigindo algo, seu piscar constante e ritmado é quase como um julgamento, insuportável.

De repente, em meio ao quase silêncio da cidade lá fora, uma cigarra começa a cantar. Edgar se surpreende, há quanto tempo não ouvia este ruído. Pensa e crê que nunca o tinha ouvido em sua cidade. Sorri inadvertidamente, ergue seu olhar para o nada, e saboreia o canto do inseto, onde quer que ele esteja. Imóvel, escuta até o final, até que o canto vai se tornando mais estridente, descompassado, diminuindo até desaparecer. Não pensa em nada por alguns segundos, até que suspira, sorri outra vez e resigna-se. Nada será dito esta noite.